quarta-feira, 21 de julho de 2010

Soberania (Manoel de Barros)

Naquele dia, no meio do jantar, eu contei que
tentara pegar na bunda do vento — mas o rabo
do vento escorregava muito e eu não consegui
pegar.
Eu teria sete anos. A mãe fez um sorriso
carinhoso para mim e não disse nada.
Meus irmãos deram gaitadas me gozando.
O pai ficou preocupado e disse que eu tivera um vareio da imaginação.
Mas que esses vareios acabariam com os estudos.
E me mandou estudar em livros.
Eu vim. E logo li alguns tomos havidos na biblioteca do Colégio.
E dei de estudar pra frente.
Aprendi a teoria das ideias e da razão pura.
Especulei filósofos e até cheguei aos eruditos. Aos homens de grande saber.
Achei que os eruditos nas suas altas abstrações se esqueciam das coisas simples da terra. Foi aí que encontrei Einstein (ele mesmo — o Alberto Einstein). Que me ensinou esta frase: "A imaginação é mais importante do que o saber".
Fiquei alcandorado! E fiz uma brincadeira. Botei um pouco de inocência na erudição. Deu certo. Meu olho começou a ver de novo as pobres coisas do chão mijadas de orvalho.
E vi as borboletas. E meditei sobre as borboletas. Vi que elas dominam o mais leve sem precisar de ter motor nenhum no corpo. (Essa engenharia de Deus!)
E vi que elas podem pousar nas flores e nas pedras sem magoar as próprias asas.
E vi que o homem não tem soberania nem pra ser um bentevi.

Desenho de Giza (pastel óleo, 2004)
Texto extraído do livro (caixinha) "Memórias Inventadas - A Terceira Infância", Editora Planeta - São Paulo, 2008.

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