No lugar do posto de controle de saída da fronteira, o guardião do país vizinho pediu que o estudioso de Ecologia Cognitiva mostrasse seu passaporte, chamando-o:
- Ei, você, faz o quê?
A resposta foi:
- Apesar do meu nome, não trabalho exatamente com Ecologia, mas com o conhecimento.
- Negativo: há muito a Filosofia se encarrega disso – foi a objeção do guardião das fronteiras. Vá pleitear a sua saída pela outra porta.
- Espere; entendo o conhecimento de uma forma ampla. Ocupo-me dos signos, de todos os vestígios sensíveis ligados às intenções na produção e atribuição de sentidos, explicou o estudioso.
- Ora – refutou novamente o guarda – isto é o que faz a Semiologia. Você está querendo burlar a segurança?
- Absolutamente! De fato – ponderou o estudioso – alguns teóricos trabalham sobre o sentido dos signos. Mas interessam-me mais diretamente as relações de poder que são travadas na arena da comunicação.
- Hum... – observou-o o guardião, desconfiado. – Sim, já entendo, trata-se então de Filosofia da Linguagem.
O estudioso ousou especificar um pouco mais a sua ação e disse:
- Sim, a Filosofia da Linguagem, em especial a corrente pragmática, aborda esse tema com muita propriedade, mas concentrando-se no que é produzido no decorrer da comunicação entre os interlocutores. Quanto ao mim, procuro fixar-me em algo que vai além, buscando verificar como as idéias se transmitem e interagem entre si por meio de palavras, imagens e sons articulados, em toda a riqueza dos signos, para, então, discutir como o pensamento tem sido produzido. Trata-se de entender as dimensões técnicas e coletivas da cognição.
O soldado sorriu com desdém.
- “Ah, é a cognição. Ora, então você é um estudioso da Educação”.
- De certo modo, sim – concordou em parte o visitante -, mas apenas se considerarmos a Educação compreendida em seus novos ambientes e espaços, nos quais um novo sujeito, digamos, coletivo, se movimenta... E para compreendê-la dessa forma devemos derrubar algumas das fronteiras e construir elos com a Filosofia, com a Semiologia e com outras disciplinas das quais herdei também algumas questões, como a Linguística, ou a Psicologia. Na verdade não há como conceber a Ecologia cognitiva sem falar das redes de conhecimento, e não há como estudar ou entender tais redes sem antes permitir também as interconexões em nossos próprios campos.
E o estudioso terminou dizendo:
- Por isso, não solicito apenas que autorizes minha passagem, como também te peço, em nome de todos os que desenvolvem pesquisas neste momento, que te despeças da tua função, pois para exercer a minha prática e levar adiante a pesquisa, não será possível que haja guardiões de fronteiras entre os países que visito.
O guarda já ia expulsar o forasteiro, pela insolência da fala, vindo a perturbar-lhe a paz que há tanto conhecia naquele espaço-limite, quando aconteceu o inusitado: viu que atrás do Ecologista Cognitivo, e pelos lados, e mais adiante, e também por muitas vertentes, aproximavam-se multidões de cientistas e pesquisadores e professores, todos numa rebelião não-organizada contra as cancelas das fronteiras, e tinham os nomes metamorfoseados: não mais ostentavam carteira de identidade de comunicador, de sociólogo, ou de historiador, ou de cientista, mas de coisas estranhas, como educomunicador, engenheiro do conhecimento, historiador das idéias, arquiteto cognitivo, sociólogo da linguagem e coisas nesse estilo.
Viu que outros dos seus colegas tentavam reagir, mas era inútil. O companheiro vizinho era desafiado por um sociotecnólogo, enquanto recebia a notícia de que legiões de historiadores das mentalidades haviam invadido um terreno proibido. Psicolinguistas atacavam pelo outro lado e, já sem receber maior resistência, um grupo de arte-educadores se preparava para ocupar a praça.
E assim, apesar de esboçar uma reação inicial, os guardiões das fronteiras não tiveram outra opção a não ser retirar-se, resignados, deixando que fossem, por fim, apagadas as linhas tênues que marcavam os limites entre os países de uns e de outros. Foi quando as portas se abriram e começou a história.
A partir de George Landow, no livro “Educação na Cibercultura”, de Andréa Cecília Ramal. Ed. Artmed, 2002.
- Ei, você, faz o quê?
A resposta foi:
- Apesar do meu nome, não trabalho exatamente com Ecologia, mas com o conhecimento.
- Negativo: há muito a Filosofia se encarrega disso – foi a objeção do guardião das fronteiras. Vá pleitear a sua saída pela outra porta.
- Espere; entendo o conhecimento de uma forma ampla. Ocupo-me dos signos, de todos os vestígios sensíveis ligados às intenções na produção e atribuição de sentidos, explicou o estudioso.
- Ora – refutou novamente o guarda – isto é o que faz a Semiologia. Você está querendo burlar a segurança?
- Absolutamente! De fato – ponderou o estudioso – alguns teóricos trabalham sobre o sentido dos signos. Mas interessam-me mais diretamente as relações de poder que são travadas na arena da comunicação.
- Hum... – observou-o o guardião, desconfiado. – Sim, já entendo, trata-se então de Filosofia da Linguagem.
O estudioso ousou especificar um pouco mais a sua ação e disse:
- Sim, a Filosofia da Linguagem, em especial a corrente pragmática, aborda esse tema com muita propriedade, mas concentrando-se no que é produzido no decorrer da comunicação entre os interlocutores. Quanto ao mim, procuro fixar-me em algo que vai além, buscando verificar como as idéias se transmitem e interagem entre si por meio de palavras, imagens e sons articulados, em toda a riqueza dos signos, para, então, discutir como o pensamento tem sido produzido. Trata-se de entender as dimensões técnicas e coletivas da cognição.
O soldado sorriu com desdém.
- “Ah, é a cognição. Ora, então você é um estudioso da Educação”.
- De certo modo, sim – concordou em parte o visitante -, mas apenas se considerarmos a Educação compreendida em seus novos ambientes e espaços, nos quais um novo sujeito, digamos, coletivo, se movimenta... E para compreendê-la dessa forma devemos derrubar algumas das fronteiras e construir elos com a Filosofia, com a Semiologia e com outras disciplinas das quais herdei também algumas questões, como a Linguística, ou a Psicologia. Na verdade não há como conceber a Ecologia cognitiva sem falar das redes de conhecimento, e não há como estudar ou entender tais redes sem antes permitir também as interconexões em nossos próprios campos.
E o estudioso terminou dizendo:
- Por isso, não solicito apenas que autorizes minha passagem, como também te peço, em nome de todos os que desenvolvem pesquisas neste momento, que te despeças da tua função, pois para exercer a minha prática e levar adiante a pesquisa, não será possível que haja guardiões de fronteiras entre os países que visito.
O guarda já ia expulsar o forasteiro, pela insolência da fala, vindo a perturbar-lhe a paz que há tanto conhecia naquele espaço-limite, quando aconteceu o inusitado: viu que atrás do Ecologista Cognitivo, e pelos lados, e mais adiante, e também por muitas vertentes, aproximavam-se multidões de cientistas e pesquisadores e professores, todos numa rebelião não-organizada contra as cancelas das fronteiras, e tinham os nomes metamorfoseados: não mais ostentavam carteira de identidade de comunicador, de sociólogo, ou de historiador, ou de cientista, mas de coisas estranhas, como educomunicador, engenheiro do conhecimento, historiador das idéias, arquiteto cognitivo, sociólogo da linguagem e coisas nesse estilo.
Viu que outros dos seus colegas tentavam reagir, mas era inútil. O companheiro vizinho era desafiado por um sociotecnólogo, enquanto recebia a notícia de que legiões de historiadores das mentalidades haviam invadido um terreno proibido. Psicolinguistas atacavam pelo outro lado e, já sem receber maior resistência, um grupo de arte-educadores se preparava para ocupar a praça.
E assim, apesar de esboçar uma reação inicial, os guardiões das fronteiras não tiveram outra opção a não ser retirar-se, resignados, deixando que fossem, por fim, apagadas as linhas tênues que marcavam os limites entre os países de uns e de outros. Foi quando as portas se abriram e começou a história.
A partir de George Landow, no livro “Educação na Cibercultura”, de Andréa Cecília Ramal. Ed. Artmed, 2002.
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