O pastor amoroso perdeu o cajado,
E as ovelhas tresmalharam-se pela encosta,
E, de tanto pensar, nem tocou a flauta que trouxe para tocar.
Ninguém lhe apareceu ou desapareceu.Nunca mais encontrou o cajado.
Outros, praguejando contra ele, recolheram-lhe as ovelhas.
(Alberto Caeiro)
A educação é um combate de todas as horas da civilização contra a barbárie, da esperança contra o medo, da autonomia contra a dependência, da liberdade contra a opressão. Um combate ideológico e político, porque educar implica permanentemente fazer opções, tanto relativamente a objectivos e estratégias, como a projectos e métodos.
A educação é um combate de todas as horas dos educadores, seja qual for a qualidade em que intervenham. Educadores são todos aqueles que, voluntariamente ou não, conscientemente ou não, estão em posição de influenciar, de uma forma consistente e continuada, o pensamento, a sensibilidade e o comportamento dos outros, determinando ou condicionando o seu destino. Pensar que a educação se esgota na intervenção dos pais e dos professores é um perigoso equívoco, porque a intervenção dos demais agentes educativos é, frequentemente, tão ou mais poderosa e determinante que a intervenção dos próprios educadores formais.
A educação é um processo complexo, multimodal, amplamente participado e contínuo de promoção de conhecimento significativo e de sabedoria, sempre orientado para o desenvolvimento integral da pessoa e para a sua equilibrada inserção na sociedade. Sendo cada indivíduo um universo de possibilidades (mesmo quando nasce com handicaps que, inexoravelmente, hão-de repercutir-se no seu processo de desenvolvimento), importa que a educação lhe proporcione o maior número possível e o leque mais diversificado de estímulos e experiências significativas de aprendizagem que possam potenciar a sua permanente valorização como pessoa e como cidadão. Este desafio não se dirige apenas aos educadores formais, mas a todos os educadores, sem excepção, muito especialmente, a todos aqueles que, não se assumindo muitas vezes como educadores e até criticando, frequentemente, o desempenho dos educadores formais e o estado da educação (políticos, jornalistas, articulistas, escritores, artistas, grandes empresários, etc), têm na sociedade uma intervenção tão ou mais decisiva, em termos educativos, que os próprios educadores formais. A educação é hoje, e sê-lo-á cada vez mais no futuro, uma responsabilidade de todos, um desígnio colectivo.
Os processos educativos (e é preciso escrevê-lo no plural, porque o percurso educativo de cada educando é único e irrepetível) atravessam a escola, mas não se esgotam na escola. A montante e a jusante da escola, os educandos são sujeitos a mil e um estímulos e experiências de aprendizagem, de natureza, frequentemente, contraditória. No plano sócio-moral, por exemplo, não é raro que os mais jovens sejam diariamente confrontadas com exemplos, mensagens e paradigmas de sinal contrário e que conflituam radicalmente entre si, gerando confusão, insegurança, instabilidade e, muitas vezes, indiferença ética. Mas quando as crianças ou os adolescentes, reflectindo essa insegurança, adoptam comportamentos agressivos e desviantes, não é à família, nem à televisão, nem aos desordenadores do território, nem aos publicitários sem escrúpulos, nem aos vendedores de promessas de salvação, mas unicamente à escola, que a sociedade pede contas. A escola, frequentemente, quando a família e a sociedade falham, tem de educar contra tudo e contra todos - e responsabilizar-se por erros ou desvios que não lhe são assacáveis. A sociedade espera e exige tudo da escola, mas raramente lhe proporciona as condições culturais e ambientais que sustentem e potenciem a sua acção civilizadora.
Se a educação radica na aprendizagem, nem toda a aprendizagem, porém, se reproduz em educação. Na família e na escola, acontece muita aprendizagem profundamente deseducativa. A aprendizagem, por isso, não é um fim em si mesmo - o valor civilizacional da aprendizagem decorre da sua projecção educativa. E sendo múltiplas e cada vez mais diversificadas as fontes de aprendizagem, não faz qualquer sentido que continuemos amarrados a velhas e caducas concepções de ensino que tendem a sobreestimar o papel dos professores e a cometer à escola tarefas e responsabilidades no exercício das quais ela já se revelou suficientemente inepta e incompetente.
A convicção que se tem vindo a generalizar (de resto, permanentemente afirmada e reforçada pelos gurus da comunicação) de que os problemas de educação são, em primeira linha, imputáveis às escolas inferiores e aos respectivos professores e que, restaurado um ensino tradicional e autoritário, a qualidade da educação estaria, a prazo, garantida - é, sem dúvida, uma convicção estúpida e socialmente desresponsabilizadora, que ilude as verdadeiras causas do mal estar educativo (e não apenas docente) que hoje percorre as sociedades ditas civilizadas. A qualidade da educação é um desafio que diariamente se coloca a todos e que a todos interpela. Esperar que sejam sempre os outros a responder por falhanços que comprometem a sociedade no seu todo e cada um de nós é a via mais expedita para manter tudo como está.
Daí que não adiante apontar o dedo responsabilizador a quem quer que seja. Impõe-se antes que o dirijamos à nossa própria consciência. Mudar a educação depende de todos e de cada um de nós e não apenas do governo, das escolas ou dos professores.
No interior da família e no interior da sociedade, somos todos educadores e somos todos responsáveis pelo falhanço educativo que nos oprime. Não atiremos pedras, pois, ao telhado dos vizinhos, mas procuremos, em primeiro lugar, arrumar a nossa própria casa. A qualidade da educação começa na família - e todos nós temos aí uma palavra decisiva a dizer, um exemplo de empenhamento, de exigência e de atenção a dar aos mais novos. Não persistamos em imputar genericamente às escolas e aos governos responsabilidades que não lhes cabem. Enquanto as famílias se demitirem das suas obrigações educacionais, enquanto nós todos nos demitirmos, não haverá jamais medidas de política educativa, nem manifestos, nem elites, nem congressos patrocinados pelo Presidente da República, que possam assegurar a qualidade da educação.
E as ovelhas tresmalharam-se pela encosta,
E, de tanto pensar, nem tocou a flauta que trouxe para tocar.
Ninguém lhe apareceu ou desapareceu.Nunca mais encontrou o cajado.
Outros, praguejando contra ele, recolheram-lhe as ovelhas.
(Alberto Caeiro)
A educação é um combate de todas as horas da civilização contra a barbárie, da esperança contra o medo, da autonomia contra a dependência, da liberdade contra a opressão. Um combate ideológico e político, porque educar implica permanentemente fazer opções, tanto relativamente a objectivos e estratégias, como a projectos e métodos.
A educação é um combate de todas as horas dos educadores, seja qual for a qualidade em que intervenham. Educadores são todos aqueles que, voluntariamente ou não, conscientemente ou não, estão em posição de influenciar, de uma forma consistente e continuada, o pensamento, a sensibilidade e o comportamento dos outros, determinando ou condicionando o seu destino. Pensar que a educação se esgota na intervenção dos pais e dos professores é um perigoso equívoco, porque a intervenção dos demais agentes educativos é, frequentemente, tão ou mais poderosa e determinante que a intervenção dos próprios educadores formais.
A educação é um processo complexo, multimodal, amplamente participado e contínuo de promoção de conhecimento significativo e de sabedoria, sempre orientado para o desenvolvimento integral da pessoa e para a sua equilibrada inserção na sociedade. Sendo cada indivíduo um universo de possibilidades (mesmo quando nasce com handicaps que, inexoravelmente, hão-de repercutir-se no seu processo de desenvolvimento), importa que a educação lhe proporcione o maior número possível e o leque mais diversificado de estímulos e experiências significativas de aprendizagem que possam potenciar a sua permanente valorização como pessoa e como cidadão. Este desafio não se dirige apenas aos educadores formais, mas a todos os educadores, sem excepção, muito especialmente, a todos aqueles que, não se assumindo muitas vezes como educadores e até criticando, frequentemente, o desempenho dos educadores formais e o estado da educação (políticos, jornalistas, articulistas, escritores, artistas, grandes empresários, etc), têm na sociedade uma intervenção tão ou mais decisiva, em termos educativos, que os próprios educadores formais. A educação é hoje, e sê-lo-á cada vez mais no futuro, uma responsabilidade de todos, um desígnio colectivo.
Os processos educativos (e é preciso escrevê-lo no plural, porque o percurso educativo de cada educando é único e irrepetível) atravessam a escola, mas não se esgotam na escola. A montante e a jusante da escola, os educandos são sujeitos a mil e um estímulos e experiências de aprendizagem, de natureza, frequentemente, contraditória. No plano sócio-moral, por exemplo, não é raro que os mais jovens sejam diariamente confrontadas com exemplos, mensagens e paradigmas de sinal contrário e que conflituam radicalmente entre si, gerando confusão, insegurança, instabilidade e, muitas vezes, indiferença ética. Mas quando as crianças ou os adolescentes, reflectindo essa insegurança, adoptam comportamentos agressivos e desviantes, não é à família, nem à televisão, nem aos desordenadores do território, nem aos publicitários sem escrúpulos, nem aos vendedores de promessas de salvação, mas unicamente à escola, que a sociedade pede contas. A escola, frequentemente, quando a família e a sociedade falham, tem de educar contra tudo e contra todos - e responsabilizar-se por erros ou desvios que não lhe são assacáveis. A sociedade espera e exige tudo da escola, mas raramente lhe proporciona as condições culturais e ambientais que sustentem e potenciem a sua acção civilizadora.
Se a educação radica na aprendizagem, nem toda a aprendizagem, porém, se reproduz em educação. Na família e na escola, acontece muita aprendizagem profundamente deseducativa. A aprendizagem, por isso, não é um fim em si mesmo - o valor civilizacional da aprendizagem decorre da sua projecção educativa. E sendo múltiplas e cada vez mais diversificadas as fontes de aprendizagem, não faz qualquer sentido que continuemos amarrados a velhas e caducas concepções de ensino que tendem a sobreestimar o papel dos professores e a cometer à escola tarefas e responsabilidades no exercício das quais ela já se revelou suficientemente inepta e incompetente.
A convicção que se tem vindo a generalizar (de resto, permanentemente afirmada e reforçada pelos gurus da comunicação) de que os problemas de educação são, em primeira linha, imputáveis às escolas inferiores e aos respectivos professores e que, restaurado um ensino tradicional e autoritário, a qualidade da educação estaria, a prazo, garantida - é, sem dúvida, uma convicção estúpida e socialmente desresponsabilizadora, que ilude as verdadeiras causas do mal estar educativo (e não apenas docente) que hoje percorre as sociedades ditas civilizadas. A qualidade da educação é um desafio que diariamente se coloca a todos e que a todos interpela. Esperar que sejam sempre os outros a responder por falhanços que comprometem a sociedade no seu todo e cada um de nós é a via mais expedita para manter tudo como está.
Daí que não adiante apontar o dedo responsabilizador a quem quer que seja. Impõe-se antes que o dirijamos à nossa própria consciência. Mudar a educação depende de todos e de cada um de nós e não apenas do governo, das escolas ou dos professores.
No interior da família e no interior da sociedade, somos todos educadores e somos todos responsáveis pelo falhanço educativo que nos oprime. Não atiremos pedras, pois, ao telhado dos vizinhos, mas procuremos, em primeiro lugar, arrumar a nossa própria casa. A qualidade da educação começa na família - e todos nós temos aí uma palavra decisiva a dizer, um exemplo de empenhamento, de exigência e de atenção a dar aos mais novos. Não persistamos em imputar genericamente às escolas e aos governos responsabilidades que não lhes cabem. Enquanto as famílias se demitirem das suas obrigações educacionais, enquanto nós todos nos demitirmos, não haverá jamais medidas de política educativa, nem manifestos, nem elites, nem congressos patrocinados pelo Presidente da República, que possam assegurar a qualidade da educação.
(Ademar Ferreira dos Santos - Escola da Ponte, Portugal - Publicado em "A Página da Educação. Nº. 110. ANO 11, Março 2002.
simplesmente encantada...
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