quarta-feira, 11 de agosto de 2010

PERSPECTIVAS DE UMA EDUCAÇÃO DA CULTURA A PARTIR DE PRÁTICAS INDÍGENAS *


De modo geral, os indígenas compreendem o universo de maneira distinta de uma sociedade ocidental. Como povos culturalmente diferenciados, os indígenas atribuem nomes a coisas que possuem um sentido em determinado contexto, experiências vívidas imbuídas de significados práticos, objetivos.
Em qualquer sociedade, o universo é objeto de pensamento, o que dá origem a conhecimentos práticos necessários aos fazeres cotidianos que impulsionam a vida (LÉVI-STRAUSS, 1989).
Mas não quero correr o risco de atrelar a orientação objetiva do conhecimento a uma ideia de utilitarismo, como fez Malinowski (1884-1942) sobre comunidades nativas do Pacífico Ocidental. Compreendo, a partir de Lévi-Strauss (op. cit.), que os indígenas consideram útil ou interessante determinada coisa do universo porque a conhecem, pois as coisas são utilizadas porque são conhecidas.
Entre esses povos, de modo geral, os conhecimentos são delineados pela cultura e repassados por meio da tradição. Entretanto, a tradição não pode ser entendida como algo estático, mas dinâmico no sentido de se (re) construir para garantir os resultados simbólicos do sistema cultural, mesmo quando os meios já não existam ou os objetos sofram modificações. A cultura lida com significados mediados pela tradição de reinventar os gestos culturais por meio dos processos educativos, pois todas as formas de apreensão da realidade, formas que um sujeito aprende e faz dele membro de determinada comunidade, constituem processos educativos.
Esta definição de processos educativos relacionados à tradição nos leva ao risco de confundir conceitos muitos próximos: Educação e Cultura. Noção esta, de educação, que ultrapassa os espaços escolares e alcança sociabilidades diversas.
Estas ideias desvelam uma perspectiva de educação como cultura e traz os moldes da vivência indígena como referência a esse ideal de educação.
Se, por longo período na história do conhecimento, a humanidade pensou a educação apenas em lugares institucionalizados de ensino, hoje se supera esse paradigma com a difusão de conceitos e expressões como “Educação da Cultura”, “Pedagogia do Cotidiano”, “Estudos do Cotidiano e Educação”, etc. Estes termos ganharam visibilidade principalmente a partir do momento em que conhecimentos ditos do cotidiano, outrora taciturnos, passaram a ser relacionados ao termo “senso comum”.
Não vejo essa questão como uma passagem do “senso comum” para o saber científico, quando a ciência dá voz aos conhecimentos do cotidiano, isto é, não penso que seja uma ruptura, mas uma superação. Portanto, não quero tratar do saber indígena como “senso comum”, visto que a essa categoria a ciência parece relegar um bojo de conhecimentos menores do que os “grandes achados científicos”. Isso é arrogância e característica de uma prática etnocêntrica!
Os conhecimentos indígenas são práticos, significativos à vida, portanto éticos. O saber do índio não pode ser menor do que aquele saber que encontro na academia, visto que é ético, pois adquire sentido nas práticas (LEFF, 2003).
A ética do saber indígena tem sua base nos sentidos e significados atribuídos às coisas de seu contexto, o que desvela, no caso da América, o perspectivismo ameríndio como construto de uma noção própria de humanidade, diferenciada da noção da sociedade ocidental.
Por exemplo, a maioria dos grupos indígenas baseia suas sociabilidades em contações de mitos, histórias jamais postas em dúvida pela comunidade, verdades absolutas. “O uso de estórias é absolutamente pedagógico” (FREIRE, 2004, p. 43). Mas, para os indígenas, não há nisso uma teoria, uma epistemologia, o que há é o mundo como ele é e como é compreendido, portanto “essas culturas são eminentemente pedagógicas” (idem), porque o ato de educar para a cultura é totalmente intrínseco à própria vida.
REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Tolerância. São Paulo: Editora UNESP, 2004.
LEFF, Enrique. (coord.) A complexidade ambiental. São Paulo: Cortez, 2003.
LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento Selvagem. 2ªed. Campinas, SP: Papirus, 1989.
*Texto de Giza Carla Bandeira, publicado no Informativo "O Sopro", do Núcleo de Estudos em Educação Científica, Ambiental e Práticas Sociais - Necaps - Ano II, janeiro de 2009.

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